"em que idade do coração se apaga o riso dos homens?"
Al Berto

Sunday, December 23, 2012

As enormes vagas envolviam o pequeno barco e sacudiam-no de um lado para o outro furiosamente. O vento uivava e parecia sibilar palavras assustadoras aos ouvidos dos homens que tremiam. Pesadas gotas de chuva enchiam de água fria o barco. A tenebrosa escuridão da noite era, de quando a quando, iluminada pelo reluzir de um relâmpago no céu, seguido do temerário ribombar do trovão, que estremecia as madeiras do barco e penetrava fundo nos cérebros dos frágeis homens.

Visão assustadora. Presságio antigo de um fim do mundo que todos esperavam, incredulamente. A tempestade aumentava a sua fúria, as águas revoltas pareciam engolir as pequenas barcaças que, aqui e além, se encontravam perdidas na imensidão do mar revolto. Numa tentativa de sobrevivência desesperada, lançando as suas redes às águas, os homens buscavam somente as suas mortes, entregando-se sem no entanto o saberem. Pobres diabos.

A noite escura permitia, no entanto, visionar o horror estampado nos rostos curtidos pelo sol e maltratados pelo vento do mar. E os olhos, os olhos muito abertos, assustados, atentos a tudo. Os olhos antevendo, por fim, a desgraça.

Vozes irrompendo em rezas, muito baixinho, quase inaudíveis. Pedidos de salvação entre soluços disfarçados. Rostos duros amedrontados. Esgares patéticos. Medo. Desespero.

A praia iluminada por candeias aguardando a chegada dos homens. As mulheres ansiosas. Olhos fitos no mar... esperando. Terços nas mãos trémulas. Rezando. Esperança quase desvanecida.

Passada a tempestade ao fim da manhã, de novo o dia soalheiro abraçou a pequena praia, acariciando suavemente os rostos doridos das mulheres, sempre à espera. Vestidas de negro e curvadas sobre si mesmas devido ao cansaço da longa espera e do medo que ainda as dominava. O mesmo olhar ansioso tornado há muitas horas em puro desespero. Cada uma pensando que o seu homem não regressaria, mas desejando ardentemente que as suas preces fossem atendidas.

Ao longe as barcaças começaram a avistar-se. Uma a uma foram surgindo na linha do horizonte. Aproximaram-se lentamente do pontão. 

Os olhos ergueram-se para os céus. As vozes murmuraram agradecimentos. As vozes: "Deus existe! Deus é grande!" Choros do antecipado reencontro. Abraços vindos do fundo da alma, tão apertados que os corpos julgar-se-iam não se querer separar nunca mais.

Maria, bonita e loira de olhos claros, largos metros afastada da praia onde permanecera rezando à sua maneira, sorria olhando o marido como querendo reter a sua imagem para sempre gravada na sua memória. Largou a mão do filho e disse: 

- Vai, António, corre. Vai abraçar o teu pai.

* texto escrito em parceria com A.C.

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